COLUNISTAS
Estância Velha 17/10/2025
Ao chegar a esta nossa Lagoa Vermelha, por volta do ano de 1967, na condição de funcionário público estadual e exercendo o cargo de inspetor veterinário, encontrei uma região rica, com intenso movimento na exploração da madeira e uma significativa produção agropecuária, destacando-se um rebanho bovino de muita qualidade.
Minha intenção inicial era permanecer por aqui apenas até o início da Campanha de Combate à Febre Aftosa, quando então seria deslocado para a cidade de Passo Fundo, a fim de exercer minhas funções naquele município. Acontece que, após alguns dias de trabalho, conheci o povo de Lagoa Vermelha e senti o motivo pelo qual esta terra é chamada de “Terra da Amizade”. Resolvi ficar, exercer minha profissão, tornar-me um lagoense - sei que não por nascimento, mas por escolha, por opção.
Nas minhas andanças por estas plagas, motivo de orgulho, cultivo um grande número de amigos e amigas, laços que mantenho com dedicação. Gosto de recordar meus primeiros anos por aqui, o período de adaptação, a luta para mostrar serviço e o esforço para me integrar plenamente à nova comunidade.
Foi em uma destas tardes de “papo solto” com um grande amigo, o Adelchi Bossardi, que passamos a relembrar os velhos tempos da Estância Velha - nome carinhoso do hoje distrito Clemente Argolo. Lembramos da bodega dos Bossardi, da ferraria do Batista, do armazém do já falecido Beto Berthier, da casa da Tida Berthier, do senhor Zé Lucas, do hotel que funcionou por muitos anos, do hospital atendido pelo Dr. Augustin. Conversamos longamente sobre as festas de Natal em homenagem ao Menino Jesus e as grandes churrascadas que tivemos o privilégio de preparar.
Foi nesse momento que notei os olhos do Adelchi marejarem ao dizer:
“Pois é, muita coisa mudou na nossa Estância Velha... Os troncos velhos morreram ou mudaram de querência. Veio gente nova, e muitos nem se interessam em conhecer nossa história. Penso até que dos antigos, estou eu aqui, brigando com o toco da faca”.
E prosseguiu:
“Veja bem: em 29 de abril de 1914 foi criado oficialmente o 5º distrito de Lagoa Vermelha, denominado Clemente Argolo, pelo então intendente coronel Maximiliano de Almeida. Portanto, esta localidade, como distrito, completou um século - cem anos - e nenhuma comemoração foi realizada. Meu medo é que nossa história caia no esquecimento”.
Na sequência, Adelchi estendeu-me uma obra de autoria do nosso amigo Francisco Appio, então deputado estadual, e pediu:
“Oscar, aqui neste livro tem muito sobre a Estância Velha. Faz um favor: lê e escreve alguma coisa para homenagear os 100 anos desta terra que tanto amamos”.
Dessa forma, obedecendo às ordens do Adelchi e pedindo licença ao Appio - este abnegado lagoense que tem prestado inestimáveis serviços à sua terra e à região - passo a compilar e transcrever alguns tópicos da história de Clemente Argolo.
Estância Velha foi fundada em 1907, por João Anselmo Ferreira, e recebeu esse nome por localizar-se no local onde existia a sede da grande fazenda do Sr. Chico Furriel, herói da Guerra do Paraguai. Ele recebeu, como prêmio por seus atos de bravura, do imperador Dom Pedro II, mais de 80 mil hectares de campos. As terras tinham por limites o Lajeado dos Ivos, o Rio Pelotas, o Rio Bernardo José e o Rio Forquilha.
“Chico Furriel” era apelido. Seu nome verdadeiro era Francisco Inácio Ferreira, natural de Castro, no Paraná. Ainda jovem, transferiu-se para a Estância, dedicando-se inicialmente ao comércio. Foi ele quem trouxe a imagem do Menino Deus, colocada em uma pequena capela, fruto de sua devoção pela proteção recebida durante a guerra.
Contam os historiadores que Dom Pedro II, quando de passagem rumo à Província do Sul, hospedou-se na fazenda do amigo Chico Furriel, antes mesmo da fundação do povoado. A imperatriz, que o acompanhava, saciou a sede com as águas de uma sanga - hoje conhecida como Sanga da Rainha.
Chico Furriel faleceu aos 77 anos, em 8 de junho de 1878, pouco antes da emancipação definitiva de Lagoa Vermelha.
Assim, amigo Adelchi Bossardi, penso ter cumprido a missão que me foi delegada. E, desta forma, prestamos justa homenagem à Estância Velha, terra de história rica, repleta de grandes feitos, e reconhecida pela capacidade de produzir homens e mulheres que se destacaram na política, no comércio, nas artes e contribuíram amplamente para o progresso de Lagoa Vermelha e do Brasil.
Parabéns, Estância Velha, pelos teus 100 anos.
Artigo publicado em 09/05/2014


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