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O gigante de dados e seus pés de areia - As falhas ocultas da nuvem 24/10/2025

A revolução do armazenamento de dados em nuvem (cloud computing) há muito deixou de ser uma promessa futurista; tornou-se a espinha dorsal da economia global. Empresas de todos os portes migraram seus ativos digitais em busca de flexibilidade, escalabilidade e, principalmente, da tão propalada segurança intransponível oferecida pelos gigantes da tecnologia.
No entanto, é vital que o mundo corporativo desperte para uma verdade inconveniente: a nuvem é, em muitos aspectos, um banco de dados como qualquer outro - e pode, sim, ter suas fragilidades invisíveis.
Pensar que a segurança totalmente terceirizada é perfeita é o maior risco. Em menos de 12 meses, duas das empresas mais renomadas do setor de manutenção de dados expuseram falhas graves em seus níveis de controle, deixando aplicativos e serviços em nuvem inoperantes por várias horas.
É necessário, portanto, desvendar as vulnerabilidades que podem se esconder sob as camadas de proteção dos provedores e compreender por que a responsabilidade pela segurança dos dados é, antes de tudo, uma tarefa compartilhada.
 
ERROS HUMANOS E O FATOR INVISÍVEL
Um dos principais problemas, segundo especialistas em segurança da informação, são os erros de configuração. Muitas vezes, o que permite uma violação de dados na nuvem não é um ataque sofisticado, mas um simples erro humano. Se até o museu mais visitado do mundo - o Louvre, em Paris - teve sua segurança comprometida, por que seria impossível violar dados armazenados em sistemas digitais, em plena era da inteligência artificial?
É exatamente isso que ocorre quando um profissional de TI, por descuido ou falta de treinamento, deixa um serviço de armazenamento (como um bucket S3 na AWS ou um contêiner no Azure) configurado para acesso público.
Os provedores oferecem dezenas de controles de segurança, mas cabe ao cliente habilitá-los. A complexidade de gerenciar centenas de microsserviços e políticas de acesso pode facilmente levar a erros humanos, expondo dados sensíveis - como registros de clientes, segredos de código-fonte e informações financeiras - à internet aberta. É justamente aí que começa a violação da nuvem.
 
IDENTIDADE, CREDENCIAIS E AMEAÇAS INTERNAS
No ambiente de cloud, a identidade é o novo perímetro de segurança. Se antes o foco estava nas barreiras de rede (firewalls), hoje ele se concentra em “quem é você” e “o que você pode fazer”. O gerenciamento de identidades e acessos (IAM) tornou-se essencial, assim como o controle de contas privilegiadas, frequentemente em risco. Administradores com privilégios excessivos (“over-privileged”) podem acessar recursos que não deveriam, ampliando o impacto de um eventual sequestro de conta.
Outro ponto crítico é o vazamento de credenciais. O uso de senhas fracas - ou, pior, a ausência de autenticação multifator - representa um convite a invasores. Uma credencial comprometida permite o acesso aos dados, utilizando a identidade da vítima para extrair informações ou implantar malwares.
Não se pode ignorar as ameaças internas, sejam intencionais ou decorrentes de negligência. Colaboradores e ex-colaboradores com acessos não revogados estão entre os maiores vetores de risco, aproveitando privilégios indevidos para causar danos ou vazamentos.
A facilidade com que as equipes podem criar novos recursos na nuvem é uma faca de dois gumes: acelera a inovação, mas também gera ambientes paralelos e descontrolados, fora do alcance do time central de segurança.
 
RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA E A BUSCA POR MATURIDADE DIGITAL
A falta de visibilidade é outro desafio inerente à cloud. Como a infraestrutura está fora da rede local, as ferramentas tradicionais de monitoramento perdem eficácia. É essencial saber: quais dados sensíveis estão sendo armazenados? Quem os acessou nas últimas 24 horas? Onde estão as cópias de backup? Sem respostas claras, a detecção de anomalias e a resposta a incidentes tornam-se lentas, permitindo que invasores se movam livremente.
Deve-se lembrar ainda que tudo na nuvem é interligado por meio de Interfaces de Programação de Aplicações (APIs). Elas são a base da automação e da integração, mas, se não forem protegidas com validação de entrada, controle de requisições e autenticação robusta, tornam-se brechas perigosas.
A segurança na nuvem segue o Modelo de Responsabilidade Compartilhada. Provedores como Google, Microsoft e Amazon são responsáveis pela infraestrutura e disponibilidade; cabe ao cliente definir controles de acesso, criptografia e sistemas operacionais de suas máquinas virtuais.
Para reforçar a proteção, é essencial investir em treinamento contínuo, adotar soluções de monitoramento automático que identifiquem erros de configuração e implementar políticas de privilégio mínimo, garantindo que nem mesmo administradores tenham mais acesso do que o necessário.
O armazenamento em nuvem é uma das tecnologias mais transformadoras do século, mas sua segurança não é automática - é um esforço permanente. Ao abandonar o mito da invulnerabilidade e encarar as falhas de frente, as empresas poderão, enfim, utilizar o gigante de dados com a inteligência e a prudência que ele exige. 

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